sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pensamento do Pesquisador



Apresenta-se o pensamento do autor, segundo o verbete “Antonio Carlos Wolkmer”, inserido por Leonardo Rossano Martins Chaves na obra El pensamiento filosófico latinoamericano, publicada em 2011 no México:
O professor Antonio Carlos Wolkmer é um dos nomes mais representativos da teoria jurídica crítica latino-americana. Embora seja difícil enquadrá-lo em uma ou outra corrente jusfilosófica específica, o autor e pesquisador brasileiro se manteve alinhado ao pensamento progressista e democrático que tem aflorado na América Latina nas últimas décadas. Wolkmer iniciou seu magistério na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, e, durante sua trajetória nessa instituição, alcançou uma primeira etapa em sua prolífera trajetória intelectual, demonstrando uma clara influência crítico-dialética e humanista, marcada em sua essência pela formação de uma visão jusnaturalista com um lado neoidealista (Wolkmer, A.C., 1995, 2006, b.). Nesse sentido, suas concepções teóricas e preocupações filosóficas podem ser associadas às pesquisas ético-culturalistas, apresentando como traços distintos o antiformalismo e a crítica dos modelos juspositivistas, também presentes, com maior e menor ênfase, nos primeiros escritos de toda uma geração de juristas críticos (Lyra Filho, R., 2006; Andrade, L. R., 2005).
A superação do jusnaturalismo viria a se dar com a realização de sua pesquisa de mestrado, realizada em meados dos anos oitenta, e foi, sem dúvida, resultado de sua aproximação à ciência política. Esta segunda etapa de sua trajetória intelectual reflete sua preocupação com a “teoria das ideologias”. Nas palavras do próprio autor, a partir de então se apresentou a opção por um “[...] projeto político-jurídico de matiz teórico-crítica no âmbito da investigação, do ensino e da produção acadêmica” (Wolkmer, A.C., 1995). Todavia, de acordo com o próprio autor, “é visível nesse momento a leitura de temas de teoria social, de hermenêutica jurídica e de filosofia política de fundo neohegeliano marxista” (ibid.). é desta época sua obra Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil (Wolkmer, A.C., 1989), apresentada como dissertação no programa de mestrado em ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e publicada pela Editora Acadêmica de São Paulo. Também é fruto deste momento de amadurecimento intelectual o livro Ideologia, Estado e Direito (Wolkmer, A.C., 2003), no qual o autor avança em sua crítica às ideologias jurídicas e reforça o andamento dialético de sua análise social.
Com a conclusão de seu doutorado em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Wolkmer inicia uma terceira etapa de seu pensamento jurídico crítico. Ao publicar a obra Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito (Wolkmer, A.C., 2001), o autor passa a figurar dentre os grandes teóricos do pluralismo progressista. A ampla aceitação das teses contidas no trabalho mencionado o colocou definitivamente ao lado de destacados autores que abordam a temática do pluralismo jurídico na contemporaneidade, culminando com a tradução da obra para o espanhol, sob os cuidados de David Sánchez Rubio (Wolkmer, A.C., 2006). Para Wolkmer, a crise da modernidade jurídica é também a crise do paradigma monista herdado da racionalidade burguesa dos últimos séculos, que ignorou o potencial emancipatório das práticas sociais alternativas e produziu um direito estatal-legal formalmente legitimado. Partindo desta premissa, que remete à obra de Tomas Kuhn, o autor argumenta que o pluralismo jurídico de caráter contra hegemônico representaria uma alternativa concreta à rigidez formal do direito produzido pelo Estado, além de trazer à tona novas formas de legitimação e superação do paradigma tradicional. A peculiaridade do pensamento de Wolkmer nesta fase, reside no fato de que o autor faz a crítica à modernidade jurídica mas sem vincular-se às correntes modernas, muito em voga nos meios acadêmicos a partir do final do século XX. (Wolkmer, A.C., 2006).
Desde o momento em que adere às correntes pluralistas de tendência progressista, Wolkmer se faz acompanhar de autores como o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (Sousa Santos, B., 2001), influência notória e bastante presente em seus trabalhos (Wolkmer, A.C., 2006), na medida em que tanto Sousa Santos quanto Wolkmer interpretam a crise de paradigmas da ciência jurídica valendo-se de um arsenal crítico que abrange desde o marxismo heterodoxo da escola de Frankfurt até as modernas teorias sobre a democracia participativa e os novos sujeitos sociais.
Na atualidade, em consequência às constantes pesquisas na área da filosofia jurídica, da história do direito e da ciência política, Wolkmer se coloca entre os escassos jusfilósofos latino-americanos que partem efetivamente das tradições e das práticas culturais da América Latina para traçar as reais possibilidades de emancipação do continente frente aos avanços da globalização capitalista hegemônica. Nesta fase atual se visualizam com maior nitidez as influências da filosofia da libertação, importante corrente de pensamento latino-americano, cujo maior expoente é o filósofo argentino Enrique Dussel (Dussel, 2001). Segundo Wolkmer:
“[...] a edificação de um pensamento crítico e de resistência que parta da mundialidade periférica (Terceiro Mundo, América Latina) não implica total negação ou a ruptura radical com outras formas racionais e universalistas de conhecimento herdadas do iluminismo e produzidas pela modernidade europeia ou norte-americana, mas sim, um processo dialético de assimilação, transposição e reinvenção” (Wolkmer, A.C., 2006, b).
A mais recente inflexão intelectual do autor brasileiro vem marcada pela preocupação com o desenvolvimento pós-colonial de uma filosofia jurídica da alteridade, fundada em bases humanistas e oposta ao excessivo utilitarismo preconizado pelo individualismo imperante nos tempos modernos. Nas palavras do próprio autor:
“A filosofia jurídica da alteridade, incorporando necessidades fundamentais (liberdade, justiça, vida digna e direitos humanos) dos novos sujeitos, possibilita a verdadeira descoberta do outro, um direito que revela acima de tudo a dignidade do outro, que o respeita e o protege” (Wolkmer, A. C., 2004).


Assim, ao mesmo tempo em que desenvolve sua análise social da realidade latino-americana, Antonio Carlos Wolkmer aporta à crítica jurídica do novo século a estrutura prático-teórica que, essencialmente, com base em um pluralismo comunitário participativo, associado a uma historicidade com enfoque emancipatório e intercultural, representa sua maior contribuição ao pensamento jusfilosófico progressista contemporâneo (MARTINS CHAVES, 2011, p. 827-829. Tradução livre).[1]




[1] Cf. MARTINS CHAVES, Leonardo Rossano. Verbete: Antonio carlos Wolkmer. In: DUSSEL, Enrique Domingos; MENDIETA, Eduardo; BOHÓRQUEZ, Carmen (Editores). El pensamiento filosófico latinoamericano, del caribe y “latino”: historia, corrientes, temas y filósofos. Siglo Veintiuno Ediciones: México, 2011.

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